Criança é mesmo engraçada...

- Oi pai. - Gabriel largou um boneco no chão e sentou no braço de minha poltrona.

- Oi filho. -

- O que você está fazendo? -

- Estou lendo o jornal. -

- E o que você está lendo? -

- As notícias. -

- Que notícias? -

- O de sempre: pessoas morrendo, pessoas nascendo... -

- Se é a mesma coisa, porque você ainda lê? -

- Para me manter informado. -

- Ah sim. - Minuto de silêncio. - Ué, mas você já não leu hoje no café? -

- Já, mas agora estou lendo o outro caderno. -

- Mas pai, isso é um jornal. Não um caderno. -

- Sim, filho. Mas as seções do jornal são chamadas caderno. -

- Ah tá. - Mais um minuto de silêncio. - Mas por quê você lê um caderno antes e outro depois? -

- Porque eu gosto de ler no café e agora a tarde. -

- Qual a diferença? -

- Não tem diferença, de manhã eu gosto de ler com o café, e a essa hora não tem nada na TV. -

- Ahn.. - Outro momento de silêncio. - Mas você não fica curioso? -

- Curioso? -

- É, de saber o final. -

- Final de que, Gabriel? -

- Ah pai, dessa história do caderno. -

- Que caderno? -

- Que você tá lendo! -

- Não é uma história, são notícias. -

- Eu sei. Mas as notícias não são sobre alguém? -

- São. -

- E você não fica com vontade de saber o que aconteceu depois? -

- Gabriel... Você sabe o que é uma notícia? -

- Sei pai! Não sou idiota! -

- Eu não te... -

- Olha pai, presta atenção: uma notícia fala de uma pessoa normal e quando acontece alguma coisa com ela. Como qualquer história que a professora lê pra gente lá na sala, ela tem que ter começo, meio e fim. Essas notícias que passam na TV só tem o começo e o meio. Eu queria saber o final. Se a pessoa sobreviveu, se a criança cresceu bem... - Olhei para ele perplexo e ele bufou. - Ai, desisto! - Pulou do braço do sofá e pegou seu boneco. - Gente grande nunca entende nada! -