Peixes Grandes

sexta-feira, 7 de maio de 2010 1 comentários
- Ó, que linda, ficou me esperando? -
- Engraçadinho. Claro que não, acontece que você é o único que eu conheço nesse bar de fim de mundo, e o único que tem carro. -
- Como assim único carro? Nós viemos em dois carros. -
- Sim, mas acontece que o SEU AMIGO pegou o outro carro e levou minha companheira de quarto embora, em busca do quarto mais próximo. Eu poderia pegar um ônibus, mas eu não faço idéia de onde eu esteja e aqueles dois me deixaram aqui presa com você! - Ela me odeia. O que é engraçado, porque a mais de dois anos que eu sou super afim dela, desde o dia em que a gente dormiu juntos. É... Bom... Nossa história é meio complicada, ou até meio clichê.
Nós fizemos o ensino médio juntos e, na festa de formatura, ela quis se soltar, bebeu um pouco demais e nós acabamos ficando. Uma coisa levou a outra e fomos parar na cama, ela acordou já não tão bêbada e irritadíssima. Até hoje ela me odeia. Nós acabamos entrando na mesma universidade e, para o pesadelo dela, meu colega de quarto está saindo com a colega de quarto dela, então o nosso convívio se torna meio que impossível de evitar.
Eu não me importo, eu sei que um dia ela vai ver que eu não sou tão ruim quanto falam. Tá, eu não sou do tipo que pensa em casamento ou futuro... Mas isso não é lá tão ruim assim.
O que eu acho que pega é que nós somos completamente diferentes... Ela é toda certinha, daquelas que ralam para caramba para subir na vida, toda encanada com essa história de futuro, carreira e tudo o mais, enquanto eu vivo um dia de cada vez, não me importo muito com o amanhã ou com o que os outros pensam. Ela é calma e eu sou agitado, ela estuda e eu toco violão. Ela sente uma irritação platônica por mim, é só eu chegar perto que o humor dela muda. Qualquer um que visse diria para eu desistir e procurar outra, afinal, existem milhões no campus que dariam tudo para sair comigo. Mas ela fica tão linda quando está irritada...

- Certo, senhorita, eu te dou uma carona. -
- Não venha de gracinhas! -
- Só estou abrindo a porta do carro para você... -
- Tudo bem, mas tire esse sorrisinho besta da cara. -
Ele riu. AH, como ele me irrita! Não sei o que as garotas do campus vêem nele... Eu vou matar aquela amiga da onça, me deixou sozinha aqui com ele. Aliás, não sei o que ela vê naquele amigo dele. Porque, que ele nunca escute isso, entre ele e aquele amigo, ele é bem melhor. O amigo é porco, parece não tomar banho a anos, não se importa com nada, só se preocupa com ele mesmo e é totalmente fora da realidade. Ele pelo menos é limpinho, quer dizer, foi o que pareceu naquele dia... Não. Garota, você não pode ficar remoendo o passado, ele dormiu com milhões de outras garotas e você não precisa de outra preocupação para você: se concentre no seu futuro.
De repente, uma voz cortou meus pensamentos:

- Gostou do show? -
- É... -
- É o que? -
- Foi legalzinho... -
- Legalzinho? -
- É... Eu pensei que você fosse pior... -
- Acho que foi a coisa mais legal que você já falou para mim. -
Ela ficou me olhando. Eu adoro esses momentos em que ela tenta me entender, porque é um dos poucos em que eu posso ver seu olhos, de verdade, sem que eu sinta que a qualquer momento eles podem me matar. Eles eram lindos. Ok, eu estou soando um tanto meloso, vamos voltar à narrativa.
Abri um meio sorriso e ela pareceu ficar envergonhada.
- Não vai se acostumando não, ok? - E olhou para a janela. Me senti vitorioso.

- Eu estou com sono... -
- Você dorme muito cedo, não são nem onze horas. -
- Amanhã eu tenho prova, preciso descansar. O nome disso é responsabilidade. -
- O nome disso é paranóia. Você nunca pára um dia para fazer nada? - Passei a chave na porta mas ela estava trancada, tinham passado a correntinha. Chamei por ela, mas quem abriu a porta foi o amigo nojento. Ele estava sem camisa. Que nojo.
- Posso ajudar? -
- Como assim posso ajudar? O quarto é meu. -
- Claro, mas estamos meio ocupados, se você voltar daqui a pouco... - Eu rolei os olhos.
- Tudo bem, deixa então eu pegar um livro. -
- Eu acho melhor você não entrar... -
- Eu não posso entrar no meu quarto? É só por um minutinho e... -
- Acho melhor não. A menos que vocês queiram participar. -
- Eca. - Dei meia volta e larguei o amigo rindo no corredor, e ele veio atrás de mim.
- Ele pediu umas duas horas, no mínimo. -
- Ótimo. - Rolei os olhos. - Pode ir para o seu quarto, eu vou ver se a biblioteca está aberta. -
- Você sabe que não está e eu não vou te deixar sozinha no campus, a noite, num sábado... Nunca tem ninguém por aqui. -
- Melhor ainda. -
- Deixa de ser teimosa. - Pegou meu pulso e me levou para um corredor.

- Me irritar já não é suficiente? Agora você vai me raptar também? -
- Quer ficar quieta? -
- Eu mereço... -
- Porque você está reclamando? Qualquer uma daria a vida para estar aqui comigo. Caso tenha se esquecido, eu sou o cara mais famoso do Campus. -
- Como esquecer o nosso grande astro? O filhinho de papai que consegue sempre tudo o que quer? Os melhores cursos, os melhores violões, as melhores garotas... Devo me sentir honrada a estar em sua presença. Devo fazer reverência, também? -
- Engraçadinha. Já chegamos. -
- Onde estamos? -
- Do outro lado do campus. Estamos em cima do prédio de biomédicas... Eu gosto de vir aqui e ficar olhando o aquario da turma de biologia marinha, é bom para pensar. E sim, eu penso, antes que venha com gracinha. -
- Não ia falar isso... - Ela se sentou. Ali era caminho para quem andava de carro, uma espécie de ponte, em baixo tinha outro caminho para carros... O Campus era enorme, aqui é a faculdade mais completa de todo o estado, tem todos os cursos imagináveis e todas as parafernalhas mais modernas... Não admira ser tão caro. - É bonito. -
- É. - Sentei ao lado dela e ficamos olhando aqueles peixes enormes nadando. Até hoje o tamanho desses peixes me assusta, devem ser peixes mutantes, não é possivel!
- Não. -
- Não o que? -
- Você perguntou se eu nunca paro, e eu estou dizendo: não. -
- Isso não é... triste? -
- Porque triste? -
- Ah, você não aproveita a vida. Se por acaso, você não conseguir, seja lá o que você tanto tenta, você vai olhar para trás e ver que não fez nada... -
- Se eu me dedicar agora, eu vou conseguir. -
- Mas... -
- Está tentando rogar uma praga? -
- Não! É só que... -
- Então pára de falar sobre isso... Traz má sorte. - Deitou-se no chão. Ela parecia cansada. - Quanto tempo falta? Já deve estar quase na hora de voltar, não? -
- Não tem nem meia hora que a gente saiu de lá. -
- Ah... Eu precisava ler um livro para apresentar amanhã. - E ficou por isso mesmo. Aquele comentário solto no ar, nem eu prestei atenção e acho que nem ela. Ficamos uns minutos em silêncio. E mais outros. E mais um pouco. Até que ela, para variar, o quebrou.
- Esses peixes são absurdamente grandes. Será que estão fazendo testes neles? -
- Eles são mesmo grandes, não são? Sempre que eu venho aqui eu fico olhando para eles e sempre acho que tem alguma coisa errada... -
- Você vem muito aqui? -
- Ultimamente mais do que antes. Sua amiga sempre vai lá para o quarto e como eu não tenho onde ficar, fico aqui pensando na vida... - Ela ficou em silêncio. Decidi perguntar: - No que você está pensando? -
- Um dia, eu vou sair dessa cidade. Vou ser muito bem sucedida, vou ter meu próprio dinheiro e não vou precisar de ninguém para me prender. Só então eu vou ser livre. - Profundo. Seus pais devem ter uma parcela consideravel de culpa. Ela cresceu vendo a mãe chorar pelo pai falescido e entrar e sair em relacionamentos com homens que não a deixavam trabalhar e, sempre que acabava, elas iam para o fundo do poço. Eu sei, porque minha mãe já foi amiga da mãe dela, ela não sabe e provavelmente nunca vai saber, mas minha mãe sempre me contava tudo. Inclusive o quanto ela escondia o que sofria da mãe.
- E você? -
- Eu o que? -
- O que você está pensando? -
- No momento? -
- É. -
- Nada. -
- Impossível, você está a uns cinco minutos sem falar nada. -
- Eu... Só me distraí. -
- Tudo bem, então vou mudar a pergunta. - Ela agora olhava para o céu, e eu continuava a olhar para os peixeis absurdamente grandes. - Em que você tanto pensa quando vem para cá? -
- Como assim? -
- Você diz que sempre vem para cá para pensar. Em que você tanto pensa? -
- Você não vai querer saber. -
- Ótimo, então não fale. Eu só queria continuar o assunto, isso aqui está muito chato e.. -
- Em nós. -

- Como é? -
- Eu penso em nós. - Ele estava com aquele olhar, o mesmo olhar profundo que me olhou no dia seguinte do acontecido. Droga. Porque eu fui perguntar?
- Mas não existe nós. -
- Você nunca pensa naquele dia? - Penso.
- E você pensa? - Ele abaixou a cabeça. - O que tem que pensar? Foi só uma noite, eu estava bêbada, você é homem... Acabou acontecendo. -
- Certo, mude de assunto então. - Ele olhava fixamente para os peixes. - Eu sou um idiota. -

- Mas porque você pensaria nisso? - Ela continuou. - Quer dizer, foi a minha primeira vez, não a sua e... -
- Espera. Foi a sua primeira vez? - Gelou. Acho que só então percebeu o que tinha falado.
- Ah, vá. Pode me zoar o quanto quiser, eu não ligo. E daí que foi a minha primeira vez? E quer saber mais? Foi a única vez. - Ela estava irritadíssima, gritava comigo já de pé, com aquele ar de professora, o qual ela sempre usou para parecer mais inteligente que eu. - Pronto. Era isso que você queria ouvir? Agora pode sair aí espalhando e se gabando que você tirou a virgindade da nerd do Campus. Eu não ligo! - Ela tremia e eu achava isso adorável. Levantei e fiquei de frente para ela, ela continuava a reclamar e eu já não entendia nada. Tudo o que eu fiz, foi trazer seu rosto mais próximo do meu e lhe beijar. Ela se afastou.
- É muita cara de pau mesmo! Como que você... - Lhe roubei outro beijo, ela se afastou novamente. - Quer parar com isso? Você não tem o direito e... - Outro beijo. Ela se afastou, e dessa vez, eu que me irritei.
- Você quer calar a boca? - Me encarou por alguns segundos, antes de concluir:
- Idiota. - E finalmente me beijou de volta.

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